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A INVIOLABILIDADE DEPÓSITOS COMERCIAIS E A BUSCA E APREENSÃO GENÉRICA EM SHOPPINGS POPULARES

Com o crescimento dos Shoppings Populares, definidos como empreendimentos do setor de serviços que agrupam diversos estabelecimentos comerciais sobre os mais variados ramos, alguns subdivididos em lojas com pequenos “box” de forma centralizada.

É comum o lojista se deparar com a falta de espaço físico para armazenagem das mercadorias o que os obrigam a se socorrerem depósitos no próprio Shopping ou em local diverso daquele ao qual mantem sua atividade principal.

Diferente das lojas comerciais, apesar do referido depósito estar vinculado ao negócio e servir como ponte para reposição das mercadorias, o depósito de armazenagem normalmente não está aberto ao público, logo não poderá ser violado, salvo em caso de flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou por determinação judicial (artigo 5º XI da CF).

Muito embora a Constituição empregue o termo “casa”, a proteção contra a busca domiciliar não autorizada vai além do ambiente doméstico. O art. 150, § 4º, do Código Penal, ao definir “casa” para fins do crime de violação de domicílio, traz conceito abrangente do termo:

“§ 4º – A expressão “casa” compreende: I – qualquer compartimento habitado; II – aposento ocupado de habitação coletiva; III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”. O conceito do Código Penal serve de ponto de partida para a regra constitucional de proteção contra a busca não autorizada. Assim, o conceito de “casa” estende-se: “(…) a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais”. (HC 82788, relator min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 12.4.2005).

Assim, não há dúvida de que o “compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”, isto é, ambientes profissionais privados em geral (escritórios, salas, lojas, oficinas, restaurantes, consultórios, depósitos, etc.) estão sujeitos à proteção constitucional. A busca e apreensão domiciliar dependem, imprescindivelmente, de ordem judicial devidamente fundamentada, indicando, da forma mais precisa possível, o local em que serão realizadas ás buscas, assim como motivos e fins da diligência.

Portanto, a busca e apreensão de documentos e objetos realizados por autoridade pública em “casa” de alguém, sem autorização judicial fundamentada, revelam-se ilegítimas e o material eventualmente apreendido configura prova ilicitamente obtida.

Contudo, a prática demonstra que os agentes do Estado, bem como, os juízes de Direito normalmente mitigam está regra quando se trata de grandes shoppings populares, certo do conceito antigo de um empreendimento desorganizado, de corredores estreitos, pouco iluminados, inadequados e de atividades comerciais extremamente duvidosas.

Vale dizer que mesmo para aqueles Shoppings que ainda não se enquadraram ás regras a tempo definidas pelos órgãos públicos, a medida de Busca e Apreensão possui caráter excepcional, já que importa restrição a direito fundamental-especialmente a inviolabilidade de domicílio e, por conta disso, pode ser autorizada apenas nas raríssimas situações previstas no inciso XI do artigo 5º da Lei Maior.

Por seu turno, a autorização judicial para realização de busca domiciliar e apreensão exige a demonstração das fundadas razões que autorizam a mitigação do direito fundamental à inviolabilidade de domicílio, da necessidade e adequação da medida ao cumprimento das finalidades previstas no rol do § 1º do art. 240 do Código de Processo Penal, bem como, a indicação precisa da casa em que será realizada a diligência e o nome do proprietário ou morador, e no presente caso, nomes do (s) lojista (s), depósitos e respectivos endereços.

Além disso, também em razão de sua natureza excepcional, é preciso à apresentação de fundadas razões, também de forma individualizada, capazes de justificar a concessão da diligência, como expressamente determina o caput do art. 240 do Código de Processo Penal.

O fato de se tratar de Shoppings Populares, a busca e apreensão genérica  em todo empreendimento não se revela idônea em razão do número indeterminado de pessoas, lojistas, comerciantes, funcionários, depósitos e outros estabelecimentos idôneos que podem ser injustificadamente atingidos.

Ora, até que se prove ao contrário é bom registrar, que os Shoppings Populares são habitadas por cidadãos abrigados pelos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição e não por pessoas que se dedicam a atividades ilícitas – sob pena de subversão da lógica do ordenamento, tornando a busca e apreensão, na hipótese de eventual e incerto descobrimento, meio para a criação de “fundadas razões”, quando estas é que deveriam anteceder aquela.

Cumpre ressaltar que a inobservância das normas constitucionais e processuais que autorizam excepcionalmente a mitigação do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, além de importar transgressão ao princípio da dignidade da pessoa humana, pode ocasionar a nulidade das provas porventura obtidas através de diligência em desconformidade com as normas que regem a matéria, bem como das provas delas derivadas.

A unidade domiciliar a ser objeto da diligência é a “casa”, “o depósito”, “a loja” conforme consta no inciso I do art. 243 do Código de Processo Penal, que deve ser indicada da forma “mais precisamente possível”, aliada, como dito, ao “nome do respectivo proprietário ou morador”, com o apontamento das fundadas razões que autorizem a conclusão de que no local poderá ocorrer qualquer das hipóteses previstas nas alíneas do § 1º do art. 240 do Código de Processo Penal.

Registre-se, data venia, que a ponderação de interesses como a segurança pública e a inviolabilidade do domicílio do cidadão e sua intimidade já foi considerada pelo constituinte originário ao determinar as hipóteses excepcionalíssimas que autorizam o ingresso forçado na residência, não podendo ser arguida como escusa para inobservância das regras trazidas no Código de Processo Penal que a justificam e delimitam, o que inclui os elementos que deverão constar necessariamente no mandado, notadamente a individualização da casa e do respectivo morador.

Em outras palavras, a inviolabilidade do domicílio, norma constitucional de eficácia plena e imediata, é a regra; ao revés, a mitigação dessa garantia mediante ordem judicial é exceção, restrita e condicionada à aferição e demonstração indispensável dos requisitos e elementos elencados no Código de Processo Penal. Em sendo assim, forçoso reconhecer que, nos Shoppings Populares, a delimitação da área a ser diligenciada pela autoridade policial e deferida pelo Juízo deve indicar individualmente no mandado a unidade ou ás unidades ou depósito (s) objeto de violação, que, como dito, é a “casa”, conforme consta expressamente no inciso I do art. 243 do Código de Processo Penal, que deve ser indicada da forma “mais precisamente possível”.

Em dias atuais não cabe mais o fundamento de que o prédio inteiro seria área destinada a “pratica de contrabando, descaminho, pirataria, tráfico de drogas, receptação, etc, ou seja, área de infrações e crimes permanentes, certo que se existe elementos concretos nesse sentido, o Mandado de Busca e Apreensão é dispensável porque viável o ingresso forçado pelos agentes do Estado. O ônus decorrente da dificuldade de se apurar a dinâmica da atuação criminosa, com a devida delineação, não pode ser suportado pelos cidadãos titulares dos direitos fundamentais em comento, não submetidos a qualquer investigação, aos quais, portanto, deve ser assegurado o exercício pleno das garantias que decorrem de sua própria condição humana.

 Igualmente não se pode admitir o argumento de que “Em tempos excepcionais medidas também excepcionais são exigidas, com o intuito de restabelecer a Ordem Pública aviltada”, sob pena de desconsideração por completo do Estado Democrático de Direito vigente, a partir da falsa premissa da suposta existência e legitimidade de um “estado de exceção” sem contorno jurídico.

A luta pelo Estado Democrático de Direito e pelo respeito à dignidade humana, na verdade, não acabou e nem acabará e, por isso, deve-se continuá-la. Não através de vias alheias a sua fundamentação, como nos períodos de exceção, ou por meio de Direitos criados fantasiosamente para fazer reinar uma segurança cognitiva inexistente, mas sim mediante a promoção de valores democráticos, de políticas criminais coerentes, sérias, do aprofundamento das relações humanas e do debate sadio e participativo. Somente assim estaremos mais próximos de uma sociedade plural, respeitadora dos direitos humanos e efetivamente democrática.

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