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INQUÉRITO SOBRE SIGILO NÃO É MOTIVO PARA IMPEDIR O ACESSO AS PROVAS QUE RECAI SOBRE O DELATADO

Em recentíssima decisão o Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Melo pontuou que mesmo se tratando de procedimento em regime de sigilo, instaurado com apoio em depoimento prestado por agente colaborador na forma da Lei nº 12.850/2013, revela-se plenamente legítima a pretensão da defesa em ter acesso aos autos daquele inquérito cuja suposta participação em alegada prática delituosa constitui objeto da delação manifestada ao Ministério Público e/ou à Polícia Judiciária, cabendo ao Poder Judiciário garantir-lhe a possibilidade de conhecimento das peças (inclusive das declarações do agente colaborador) a ele referentes.

A postulação em causa tem suporte jurídico na Súmula Vinculante nº 14/STF, mostrando-se acolhível o pedido da Defesa.

Ao assim decidir, garantindo ao delatado, por intermédio de seu Advogado, o direito ao pleno conhecimento dos dados informativos já formalmente incorporados aos autos, destacou precedentes da Corte, firmado; inclusive; em outros casos que foi Relator:

 “RECLAMAÇÃO. DESRESPEITO AO ENUNCIADO CONSTANTE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF. PERSECUÇÃO PENAL AINDA NA FASE DE INVESTIGAÇÃO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). CONSEQUENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JÁ DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL) OU A ESTES REGULARMENTE APENSADOS. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. – O sistema normativo brasileiro assegura ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou pelo réu) o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, consequentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.” (Rcl 18.399-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não se pode desconhecer, considerado o modelo constitucional vigente em nosso País, que qualquer pessoa sujeita a medidas de investigação penal qualifica-se como sujeito de direitos, dispondo, nessa condição, mesmo na fase pré-processual, de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO), pois – não constitui demasia reafirmá-lo – “A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal” (RTJ 200/300, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

É sempre importante relembrar que essa prerrogativa da pessoa sob investigação também encontra fundamento no postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos que, concernentes à “informatio delicti”, compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais. Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura ao que sofre persecução penal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo – o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da autodefesa, quer para desempenho da defesa técnica.

 É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado.

Essa compreensão do tema – cabe ressaltar – é revelada por autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, “Da Prova no Processo Penal”, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “O Princípio da Comunhão da Prova”, “in” Revista Dialética de Direito Processual (RDDP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lição expendida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in” Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

“E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (…). A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama o ‘princípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência. (…).” (grifei)

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinência, o magistério de PAULO RANGEL (“Direito Processual Penal”, p. 411/412, item n. 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris):

“A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada apenas por um deles. (…).

O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova levado para os autos. (…)

 Por conclusão, os princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem com que as provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das provas.” (grifei)

 É por tal razão que se impõe assegurar ao Advogado, em nome de seu constituinte, o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da investigação penal em causa, mesmo porque o conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo para a própria elaboração da defesa técnica por parte do interessado.

É fundamental, no entanto, para o efeito referido nesta decisão, que os elementos probatórios já tenham sido formalmente produzidos nos autos da persecução penal.

O que não se revela constitucionalmente lícito, segundo entendo, é impedir que o interessado, qualquer interessado, tenha pleno acesso aos dados probatórios que, já documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados ou a eles regularmente apensados), veiculam informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à condução da defesa da pessoa investigada (como no caso) ou processada pelo Estado, ainda que o procedimento de persecução penal esteja submetido a regime de sigilo.

O fato irrecusável, no exame da questão do acesso a procedimentos estatais em regime de sigilo – especialmente naqueles casos em que o Estado se vale do instituto da colaboração premiada –, é um só: o delatado – como assinala a doutrina (FREDERICO VALDEZ PEREIRA, “Delação Premiada – legitimidade e procedimento”, p. 124/125, item n. 4.2.3.1, 2013, Juruá) –, tem, constitucionalmente, o direito de confrontar, em sede processual, o colaborador ou delator em razão da prerrogativa do contraditório, assegurada, em juízo, a quem sofre imputação penal deduzida pelo Estado.

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