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DENÚNCIA INEPTA EM CRIME DE LICITAÇÃO

1.  A realização de empréstimo com suposta inobservância das normas administrativas da Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC) não configura os crimes previstos no art. 1°, VIII, XX, e XXIII, do Decreto-Lei n°201/67, uma vez que o enquadramento nas condutas descritas nesses tipos penais demanda afronta pelo prefeito a disposição de lei em sentido estrito.

2. A documentação acostada aos autos não demonstra, sequer de forma indiciária, a prática dos crimes previstos no art. 1°, V, do Decreto-Lei n°201/67 e no art. 92 da Lei n° 8.666/93, porquanto o acusado não figurou como ordenador das despesas nem subscreveu as ordens de serviços ou mediações correspondentes. Da mesma forma, não se encontra descrito o liame subjetivo que o vincule a tais condutas.

3. Como sabido, o fracionamento de despesas referentes a obras de mesma natureza, a serem realizadas em um mesmo município, com a finalidade de adoção de modalidade licitatória menos rigorosa, é hábil a configurar o crime de fraude ao caráter competitivo da licitação (AP n°565, Pleno, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 23/05/14).

4. A imputação de fraude ao caráter competitivo da licitação derivaria do fracionamento de despesas referentes a obras licitadas por meio de duas tomadas de preços, quando seu valor global exigiria a modalidade mais rigorosa de concorrência.

5. Nos termos do art. 23, § 5°, da Lei n° 8666/93, “é vedada a utilização da modalidade ‘convite’ ou ‘tomada de preços’, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de ‘tomada de preços’ ou ‘concorrência’, respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço”.

6. Esse dispositivo veda o fracionamento da licitação em duas hipóteses: i)quando se trata de parcelas que integrem um mesmo projeto (“mesma obra ou serviço”), vale dizer, quando existir a unicidade intrínseca do objeto; e ii) quando se tratar de um conjunto de bens e serviços que, embora materialmente distintos e que não possam ser considerados como partes integrantes de um único objeto, apresentem natureza semelhante e deva ser executados no mesmo local, desde que tal execução possa fazer-se conjunta e concomitantemente.

7. É indiscutível que as obras referidas na denúncia tinham a mesma natureza (saneamento básico e pluvial e preparação da via pública para pavimentação) e poderiam ser executadas no mesmo local ( entendido como região de atuação dos possíveis fornecedores), de forma conjunta e concomitante, uma vez que havia recursos disponíveis, obtidos por contrato de financiamento.

8. A circunstância d se tratar de ruas distintas, situada em bairros diversos, não autorizava que os objetos fossem individualmente licitados, haja vista que a expressão “mesmo local” não tem essa acepção restrita.

9. Pouco importa o valor individual de cada obra para a determinação da modalidade de licitação; relevante é o fato de que, em razão de seu valor global, houve fracionamento indevido de despesa, uma vez que todas as obras tinham a mesma natureza e poderiam ser executadas no mesmo local, de forma conjunta e concomitante.

10. A descrição da suposta fraude, em tese, ao caráter competitivo do procedimento licitatório, com o direcionamento de contratações, todavia, não se ostra suficiente.

11. O tipo penal art. 90 da Lei n° 8666/93 exige o dolo específico do agente, qual seja, o fim especial de obtenção de uma “vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”.

12. Na espécie, não houve a necessária descrição de qual seria a vantagem a ser auferida pelo denunciado e pelos contratados “decorrente da adjudicação” e distinguível da contratação em si.

13. À míngua de uma imputação que necessariamente deveria compreender a descrição do dolo específico do agente, há que reconhecer a inépcia da denúncia em relação ao crime descrito no art. 90 da Lei n° 8666/93.

14. Denúncia rejeitada.

(STF – 2.ª T. – Inq. 4.103 – rel. Teori Zavascki – j. 07.11.2017 – public.03.05.2018)

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