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OBTER VANTAGEM PONTUAL EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA É CRIME AUTÔNOMO

 

A prática de crimes dispostos nos (artigos 317 a 333 do CP) de forma unipessoal ou associativa, ainda que praticado pelo agente dentro de um esquema criminoso não configura por si só o crime previsto na Lei 12.850/2013, objeto do presente artigo.

Se o agente recebeu vantagem indevida de um grupo criminoso para praticar determinado ato sem com esse se vincular de forma estável e permanente não pode ser considerado como integrante de organização criminosa, há que ficar sempre demonstrado pela acusação e pelas provas dos autos a efetiva caracterização dos elementos – objetivos e subjetivos – que compõem o pretendido tipo penal.

Não se pode olvidar que a figura delitiva de pertinência à organização criminosa (art. 2º, caput da Lei 12.850/13) não se perfaz com a simples pluralidade de agentes, demandando, em especial, a configuração de um efetivo “vínculo associativo”, o qual deve ficar caracterizado na espécie.

Os dados descritivos do tipo legal em comento, tem-se que a elementar “organização criminosa” remete ao conceito insculpido no §1º do art. 1º da Lei nº 12.850/2013, posto tratar-se de norma penal em branco de complementação homóloga homovitelina.

E o aludido texto legal menciona expressamente a necessidade de uma associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas.

Em sua livre definição, a ideia de associação remete a grupos formais livremente constituídos aos quais se tem acesso por escolha própria e que perseguem interesses comuns.

De acordo com a sociologia política tradicional, “o fundamento desta particular configuração de grupo social é sempre normativo, no sentido de que se trata de uma entidade organizada de indivíduos coligados entre si por um conjunto de regras reconhecidas e repartidas, que definem os fins, os poderes e os procedimentos dos participantes, com base em determinados modelos de comportamento oficialmente aprovados”.

Sob o ponto de vista estritamente jurídico, o vocábulo designa uma união de pessoas em torno de objetivos unívocos, que podem ser lícitos ou não .

Nesse Sentido:

STJ – RHC nº 9.834/SP – 5ª Turma, Relator: Min. Felix Fischer. 8 Art. 1º, §1º da Lei 12.850/13 – “Considera-se organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

 

É claro que, no caso do tipo legal em apreço, essa união teria como objetivo apenas a prática de ilícitos penais, e isso faz com que a utilização do termo “associação” sirva exatamente para deixar cristalino que a tipologia em questão somente será aplicável quando houver algum grau de permanência ou estabilidade na atuação de cada um dos agentes que supostamente integram essa agremiação, consoante bem destaca o magistrado José Paulo Baltazar Júnior.

 

Ainda que a lei brasileira, ao contrário da Convenção de Palermo, não exija expressamente que a organização exista e opere há algum tempo, tal elemento é implicitamente contido na própria descrição normativa do tipo legal, razão pela qual se trata de elemento que não pode ser olvidado na análise do caso concreto.

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília-UNB, 1998 p. 64.

Art. 53 do Código Civil Brasileiro – “Constituem-se as associações pela união de pessoas…”.  

Aqui, é imperioso lembrar que a própria Constituição Federal protege as associações constituídas para fins lícitos e que não tenham caráter paramilitar (ex vi art. 5º, incisos XVII a XXI).

BALTAZR JR, José Paulo. Crimes Federais. SP: Saraiva, 2015, p. 1249.

Convenção de Palermo (aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada por meio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004) – verbis: “grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”.

BALTAZR JR, José Paulo. Ob. Cit., p. 1249

E tal conclusão é reforçada pela exigência contida logo na sequência do referido art. 1º, §1º da Lei 12.850/2013, no sentido de que a associação seja “estruturalmente ordenada”. Assim, a reunião de pessoas nunca poderá ser ocasional ou pontual para o reconhecimento da figura típica em questão, consoante nota trazida pelo professor Antônio Sérgio Pitombo.

Neste condão, importante destacar entendimento firmado por essa Colenda 8ª Turma Criminal, aqui traduzido no sempre lúcido voto do eminente Desembargador Gebran Neto (verbis): “(…) diferentemente do concurso eventual de agentes, o crime compreende uma associação de vontades apta à criação, ainda que informal, de uma entidade com certa autonomia, constituída pelo vínculo associativo e transcendente aos indivíduos que a compõem (…). Um elemento característico da existência autônoma da associação é a presença de um programa delitivo que persiste mesmo diante da substituição dos membros do grupo criminoso” (TRF4 – ACR nº 5036664- 20.2015.4.04.7000/PR).

E segue, citando a doutrina do culto professor Jorge de Figueiredo Dias a respeito do mesmo crime na legislação portuguesa:

“Verifica-se a este propósito, uma singular convergência, doutrinal e jurisprudencial. Reconhece-se, nemine discrepante, que só haverá associação ali, onde o encontro de vontades dos participantes – um qualquer pacto mais ou menos explícito entre eles – tiver dado origem a uma realidade autônoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros. Onde, noutros termos, no plano das realidades psicológicas e sociológicas, derivar do encontro de vontades um centro autônomo de imputação fáctica das ações prosseguidas em nome e no interesse do conjunto. Centro este que, pelo simples facto de existir, represente uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário e justo (sc., proporcional) reprimi-la com as penas particularmente drásticas cominadas no artigo 287’ (DIAS, Jorge de Figueiredo. As ‘associações criminosas’ no Código penal Português de 1982 – Arts. 287º e 288º. Coimbra: Coimbra Editora Ltda., Separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência n.ºs 3.751 e 3.760, p. 32-33)”.

Noutro giro, a permanência ou estabilidade na atividade criminosa, ou a simples pretensão de cometer uma série indeterminada de crimes – que sempre foi utilizado como critério para distinguir o crime de quadrilha/bando (art. 288 do CP) do mero concurso de agentes (art. 29 do CP) – aqui poderá desempenhar idêntica função, afastando a aplicação da Lei nº 12.850/13 aos casos de mero concurso eventual de agentes ou do delito isolado cometido de forma organizada.

A estabilidade, conforme preconiza Luiz Regis Prado, é um dos principais elementos caracterizadores da própria formação do organismo delituoso:

“Deve, ainda, a associação apresentar estabilidade ou permanência, características relevantes para a sua configuração. Aliás, esse é um dos traços que a diferencia do concurso de pessoas, não basta para o crime em apreço, um simples ajuste de vontades. É indispensável, mas não é o bastante para caracterizar o crime. É preciso, além desse requisito, a característica da estabilidade.”

Também a “divisão de tarefas” exigida pelo art. 1º, §1º da legislação especial – com funções definidas, atribuições próprias para membros diferentes da organização (mas sempre voltada para um fim comum) – é característica da própria ideia de organização, como bem anota a professora Renata Almeida da Costa.

Essa compartimentalização das atividades, exigida pela norma, serve exatamente para fortalecer o sentido de estruturação empresarial que norteia a criminalidade organizada.

Por fim, o elemento subjetivo do tipo requer a existência de um verdadeiro animus associativo – no sentido de haver a vontade singular de um aderindo à conduta do outro para a consecução de um fim maior e que lhes é uníssono (convergência de vontades)

Todos os dados acima minutados não podem, em hipótese alguma, ser presumidos (a quem quer que seja), pois dizem respeito ao próprio preenchimento do tipo penal, eis que organização criminosa, como grafado no artigo 2º da Lei 12.850/2013, é puro elemento normativo, que deve ser complementado pela efetiva demonstração, no caso concreto, de que todos os elementos de sua conceituação – prevista no § 1º do artigo 1º da mesma lei – se fazem presentes.

Assim se o rol de acusações contra um indivíduo não se liga diretamente com o esquema propriamente investigado, isto porque, eventuais imputações feitas na denúncia ou no âmbito de investigação policial se revelam condutas autônomas, absolutamente desconectadas da tal engrenagem sistêmica destinada a obter vantagens indevidas, devem ser bem analisadas pela defesa criminal, pois normalmente, não resultam, ipso facto, a caracterização de vínculo associativo, de sorte que não existem elementos para se acusar ou condenar quem quer que seja pelo crime da Lei 12.850/2013.

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