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FISCO NÃO PODE AUTUAR EMPRESA COM BASE EM INFORMAÇÕES OBTIDAS DIRETAMENTE DOS BANCOS

Só o Judiciário pode confrontar direitos fundamentais para decidir, em cada caso, qual deve prevalecer. Por isso, a Receita Federal não pode violar o sigilo bancário dos contribuintes sem a devida autorização judicial. Foi o que decidiu o juiz federal José Airton de Aguiar Portela, da 2ª Vara Federal de Santarém (PA), ao suspender uma autuação fiscal. Para o juiz, a violação do sigilo sem autorização é “verdadeiro abuso de prerrogativa” por parte da Receita.

O caso chegou à Justiça Federal de Santarém depois de o Fisco ter autuado uma empresa em R$ 1,4 milhão por causa de um depósito bancário. A Receita entendeu que o depósito eram receitas não declaradas, sobre as quais incidem Imposto de Renda. Teve acesso às informações financeiras da empresa por meio de um acordo com o banco que previa o repasse de informações sem passar pelo Judiciário.

A possibilidade é prevista no artigo 6º da Lei Complementar 105/2001. O dispositivo diz que “as autoridades e os agentes fiscais tributários” só podem ter acesso a informações bancárias sigilosas de contribuintes se houver procedimento administrativo ou fiscal em curso.

O parágrafo único do dispositivo determina apenas que o Fisco preserve as informações em sigilo. No entendimento da Receita, isso autorizaria o envio das informações sem necessidade do crivo judicial, já que o órgão federal também tem obrigação de sigilo e o intuito do não repasse seria a preservação da intimidade dos contribuintes.

Direitos não absolutos
Mas o juiz federal Aguiar Portela discordou. Para ele, houve uma “ousadia legiferante” com a edição da LC 105. Ele ponderou que o direito à intimidade é descrito como fundamental na Constituição Federal, mas o Estado também tem o direito constitucional de arrecadar para financiar a sociedade. A questão, portanto, está no balanço entre princípios constitucionais, e por isso a Receita não pode agir sem a fiscalização do Judiciário.

Ele explica que a Constituição, na verdade, é o contrário do que pensa o Fisco. “Ao invés de outorgar prerrogativas” à Fazenda Pública, ela impõe limites à atuação estatal. E sempre para preservar os direitos fundamentais do cidadão — que, no caso de discussões tributárias, é o contribuinte.

O juiz federal ressalva que não há direitos absolutos na Constituição, conforme entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Por isso, sempre que os dois princípios (intimidade do contribuinte e a arrecadação pelo Estado) estiverem em conflito, deve ser feito um balanço com base nas particularidades de cada caso. E isso não pode ser feito pela Administração Pública de forma unilateral.

Dois lados
Portela defende a igualdade de direitos entre o público e o particular. “A colisão de direitos fundamentais reclama meditação complexa, casuística, intensa, proporcional, razoável e justa. Id est, tem-se uma controvérsia de tal magnitude que sua solução, iniludivelmente, só pode exsurgir da jurisdição estatal”, escreveu em sua sentença.

O juiz também ataca a lei. Afirma que o texto não pode “regrar de forma geral, genérica e abstrata as possibilidades de afastamento das garantias constitucionais”. Só um “um terceiro imparcial dotado de função jurisdicional” é que pode fazê-lo, e caso a caso.

“Há de ser assim para se evitar a banalização dos direitos e garantias individuais dos contribuintes”, explica. Do contrário, a exceção da violação do sigilo viraria regra em nome do “interesse público e de eficiência estatal”.

Repercussão geral
A matéria já foi discutida pelo Supremo em dois recursos extraordinários. No mais recente, de relatoria do ministro Marco Aurélio, o tribunal entendeu que o Fisco não pode ter acesso a informações sigilosas de contas bancárias de contribuintes sem autorização da Justiça. Por isso, o STF decidiu afastar a aplicação da lei no caso concreto e dar “interpretação conforme à Constituição” ao artigo 6º da LC 105.

Só que a decisão foi tomada em um recurso sem repercussão geral reconhecida. Portanto, seus efeitos se estendem apenas ao caso concreto — embora o Supremo tenha decidido, em Reclamação, que a aplicação monocrática dessa jurisprudência não viola a reserva de plenário para discussões constitucionais.

Desde julho 2009, no entanto, tramita sem votos um Recurso Extraordinário tratando da matéria. O Supremo reconheceu a repercussão geral do caso em novembro do mesmo ano, por unanimidade, mas nunca iniciou a discussão.

O relator da matéria é o ministro Ricardo Lewandowski. Pelas regras de tramitação de recursos do STF, todos os casos que tratam do tema reconhecido como de repercussão geral devem ficar parados na origem, sem decisão judicial de mérito. No entanto, o site do Supremo indica não haver processos sobrestados nesse caso.

Também circulam no STF pelo menos cinco ações diretas de inconstitucionalidade sobre o mesmo tema (2.386, 2.390, 2.397, 4.006 e 4.010)

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