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EM CRIMES SOCIETÁRIOS RISCO EMPRESARIAL NÃO SE CONFUNDE COM CULPA PENAL

O risco é um fator importante na vida dos indivíduos e das organizações; Mas, em dias atuais, aprender a conviver com os riscos não tem sido tão fácil para ás empresas e administradores de negócios, pois, suas decisões, por certo produziram algum efeito no futuro, mas não podem ser eliminadas de suas operações sob pena de inviabilizar completamente à atividade econômica.

Os riscos de uma atividade empresarial não é algo ruim, mas possuem duas facetas distintas, uma negativa que é a do perigo e outra positiva, a oportunidade. Assim, infere-se que para obter crescimento as organizações devem assumir alguns riscos, pois eles trazem consigo também oportunidades relevantes.

Os riscos se apresentam de formas variadas como: Risco de mercado, Risco de liquidez, Risco Legal, Risco Operacional e Risco de Crédito.

No entanto, em matéria penal o que mais traz consequência para os proprietários de empresa é o risco operacional já que este está diretamente relacionado com as falhas humanas, problemas de infraestrutura, alterações em algumas práticas no ambiente de negócios e quaisquer outras situações adversas no dia a dia da organização.

Existem erros de gestão, ligados ao aspecto humano e natural oriundos de falhas no controle e na forma de conduzir as transações efetuadas; Mas também existem os mesmos erros intencionais, que se caracterizam pelos desvios de condutas de pessoas, adulterações de dados e informações propositais que podem ou não advir de ordem hierárquica em conjunto ou isoladamente de proprietários, sócios, administradores, diretores, gerentes, funcionários, etc.

No entanto, esse liame jurídico, num ambiente de pressão, seja por motivos lícitos e adversos do negócio ou por atos propositais fraudulentos separar os fatos nem sempre é algo de fácil constatação, nem mesmo pelo próprio empresário que muitas vezes acaba sendo imbricado em acusações criminais genéricas por erro involuntário de gestão ou por desvio de função de funcionários.

Neste aspecto, acabam equivocadamente tendo que produzir prova negativa de sua inocência, pois normalmente a própria denúncia criminal é oferecida de forma genérica que os levam a um cenário extremamente propício para uma eventual condenação do empresário, quando não dá própria falência da empresa que se vê imbricada penalmente por atos fraudulentos de grupo de indivíduos ou pessoas que em algum momento se desvirtuaram de suas funções visando interesses próprios.

Fatos desta natureza que envolve gestão em organismos empresariais deve se resolver logo de início com ajuda de um expert na área criminal que ajudará a compreender o âmbito de alcance da responsabilidade individual dos sócios ou mandatários, se comprovada sua participação nos fatos criminosos.

Além do mais, vale dizer, que acusação que submete o empresário a este tipo de risco penal fere os princípios do devido processo legal (CF, art. 5°, LIV), da ampla defesa, do contraditório (C, art. 5°, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art  1°, III).

São atos inaceitáveis até mesmo quando se percebe representação de sociedade exercida solidariamente em condições de igualdade pelos sócios, pois não se pode atribuir o dolo solidariamente a todos os sócios, vez que o nosso ordenamento jurídico penal está impregnado pela idéia de que a responzabilização penal se dá pela aferição da responsabilidade subjetiva. Dessa forma, as condutas devem ser descritas individualmente, para permitir a efetiva defesa dos acusados.

No ponto, vale destacar, o seguinte excerto do voto do Min. Celso de Mello, proferido no HC n° 80.812/PA, como se segue:

“Cumpre ter presente, neste ponto, a advertência constante do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que, ao insistir na indispensabilidade de o Estado identificar, na peça acusatória, com absoluta precisão, a participação individual de cada denunciado – e considerada a inquestionável repercussão processual desse ato sobre a sentença judicial -, observa que “Discriminar a participação de cada co-réu é de todo necessário (…), porque, se, em certos casos  constituir um delito per se, na maioria deles a natureza da participação de cada um, na produção do evento criminoso, é que determina a sua responsabilidade, porque alguém pode pertencer ao mesmo grupo, sem concorrer para o delito, praticando, por exemplo, atos penalmente irrelevantes, ou nenhum. Aliás , a necessidade de se definir a participação de cada um resulta da própria Constituição, porque a responsabilidade criminal é pessoal, não transcende da pessoa do deliquente (…). É preciso, portanto, que se comprove que alguém concorreu com ato seu para o crime  (RTJ 35/517,534,Rel. Min. Victor Nunes  Leal).

Tem-se, desse modo, que se revela inepta a denúncia, sempre que tal fato ocorra quando a peça acusatória, sem  especificar a participação dos acusados, vem a atribuir-lhes virtual responsabilidade solidária pelo evento delituoso, pelo só fato de pertencerem ao corpo gerencial da empresa (RHC 50.249, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE).

A formulação de acusações genéricas, em delitos societários, culmina por consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas consequências que daí podem resultar, consoante adverte, em precisa abordagem do tema, o ilustre Advogado criminal paulista Dr. RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGÃO (Denúncias Genéricas em crime de Sonegação Fiscal’ ,in ‘Justiça e Democracia’, vol 1/207-211, 210-211, 1996 RT):

Se há compromisso da lei com a culpabilidade, não se admite responsabilidade objetiva, decorrente da imputação genérica, que não permite ao acusado conhecer se houve e qual a medida da sua participação no fato, para poder se defender.

Desconhecendo o teor preciso da acusação, o defensor não terá como orientar o interrogatório, a defesa prévia e o requerimento de provas, bem assim não terá como avaliar eventual colidência de defesas entre a do seu constituinte e a do co- réu.  O acusado será obrigado a fazer prova negativa de que não praticou o crime, assumindo o ônus da prova que é do Ministério Público, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência.

A denúncia genérica, nos crimes de sonegação fiscal, impossibilita a ampla defesa e, por isso, não pode ser admitida.

Cumpre ter presente, bem por isso, a séria objeção exposta pelo saudoso Ministro ASSIS TOLEDO, para quem Ser acionista ou membro do conselho consultivo da empresa não é crime. Logo, a invocação dessa condição, sem a descrição de condutas específicas que vinculem cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar a denúncia’ (RT 715/526)

É preciso insistir na circunstância de que a responsabilidade penal pelos eventos delituosos praticados no plano societário, em nome e em favor de organismos empresariais, deve resolver-se – consoante adverte MANOEL PEDRO PIMENTEL (‘Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, p. 172, 1987, RT) – na responsabilidade individual dos mandatários, uma vez comprovada sua participação nos fatos (grifei), eis que, tal como salienta o saudoso Professor da Faculdade do Largo São Francisco, o princípio hoje dominante da responsabilidade por culpa – que não se confunde com postulado da responsabilidade por risco – revela-se incompatível com a concepção do versari in re illicita, banida do domínio do direito penal da culpa.

É que – tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal – a circunstância de alguém  meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não pode justificar a formulação de qualquer juízo acusatório fundado numa inaceitável presunção de culpa (RTJ 163/268–269, Rel.  Min. CELSO DE MELLO).”

Nesses casos de puro constrangimento ilegal, o Supremo Tribunal Federal tem declarado que, em razão de injusta persecução penal, não é difícil perceber os danos que a mera existência de uma ação penal impõe ao indivíduo – o qual, uma vez denunciado, se vê obrigado a despender todos seus esforços em um campo não meramente cível (como seria típico da atuação econômica dessas empresas), mas eminentemente penal, com sérias repercussões para a dignidade pessoal dos seus sócios.

Daí a necessidade de rigor e de prudência por parte daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

A fórmula ideal para uma persecução penal adequada e legítima encontrou sua pedagógica sistematização em texto clássico de João Mendes de Almeida Júnior. Diz João Mendes que a denúncia:

“É uma exposição narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com todas as suas circunstâncias, isto é, não só a ação transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxilis), o malefício que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). (Segundo enumeração de aristóteles, na Ética a Nincomaco, 1.III, as circuntâncias são resumidas pelas palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur ,quomodo, quando, assim referidas por Cícero (De Invent. I)). Demostrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar razões de convicção ou presunção e nomear as testemunhas e informantes .” (ALMEIDA JÚNIOR, João Mendes de. O processo criminal brasileiro, v. II. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1959, p. 183)

Como se sabe, na sua acepção originária, tal princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1° da Constituição alemã, afirma Gunther durig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio proteção judicial efetiva ( rechtliches Gehõr) e fere o princípio da dignidade humana [” Eine Auslieferunq des Meschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum objekt diedes verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehõs.“] (MAUNZ-DÜRING, Grundgeset kommentar, band I, Müchen, Verlag C.H.Beck,1990, 1 18)

Ora, nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado.

Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5).

Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (essentialia delicti) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente.

Artigo: ENDERSON BLANCO –

Advogado especializado em direito criminal econômico para empresas

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